Wuchang: Fallen Feathers — Um soulslike cheio de ambição, mas sem asas para voar

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Desde o primeiro anúncio em 2021, o game do estúdio chinês Leenzee chamava atenção. Até então desconhecido, mostrou quase vinte minutos de gameplay e prometeu que o projeto seguiria em desenvolvimento por anos. O trailer parecia promissor: ambientação sombria, combate cadenciado e uma protagonista misteriosa, tudo isso em um cenário inspirado no fim da Dinastia Ming e uma protagonista bela e sensual, ao estilo Nier Automata, Dungeons Stalkers ou Dead or Alive.

A promessa era trazer um soulslike com identidade própria, misturando folclore chinês e tragédias históricas. Quase quatro anos depois, o resultado é um jogo que tem brilho e personalidade, mas também tropeços que o impedem de atingir o mesmo nível dos títulos que o inspiraram.

A ambientação é, sem dúvida, o primeiro impacto. Wuchang: Fallen Feathers (site oficial) se passa em um mundo devastado por uma doença conhecida como Feathering, que lentamente transforma as pessoas em criaturas deformadas, cheias de penas, loucura e dor. A protagonista, Wuchang, é uma dessas vítimas. Infectada e sem memória, ela parte em uma jornada para entender a origem dessa praga, encontrar a cura e seu próprio passado.

Vamos falar sobre Wuchang: Fallen Feathers e, se ficar na dúvida, é só deixar um comentário.

Doença, caos e silêncio

Logo no início, um sacerdote taoísta chamado Xuanyangzi menciona que ela viajava com alguém — possivelmente sua irmã — e que está pesquisando uma cura para a doença. Essa conversa é a única em que Wuchang fala com a própria voz. Depois disso, ela se cala completamente. A partir daí, o jogo a transforma em uma personagem muda, o que reduz seu impacto dramático. É triste ver uma protagonista com tanto potencial se tornar apenas um avatar silencioso num mundo que grita por significado.

O enredo em si é funcional, mas depende de um certo conhecimento do período histórico. Quem não sabe muito sobre o colapso da Dinastia Ming pode se perder nos detalhes políticos que o jogo sugere. Várias facções já estão em guerra quando a história começa, e o avanço da praga apenas acelera o caos. Mesmo sem compreender todos os nomes e eventos, é possível sentir a atmosfera de colapso social e moral: aldeias queimadas, soldados enlouquecidos, monges que perderam a fé, rebeldes lutando por migalhas de poder.

Wuchang: Fallen Feathers
Wuchang: Fallen Feathers

Há missões secundárias com um tom mais sentimental, que mostram pessoas tentando sobreviver e preservar um pouco de humanidade. Quando o jogador se envolve nelas, o impacto emocional é real. Mas, de modo geral, a narrativa não se sustenta com a força que deveria. Falta uma voz que una esses fragmentos e dê propósito às ações de Wuchang. A escolha de torná-la muda cria distância, não mistério.

Se a história deixa a desejar, a ambientação compensa. Wuchang: Fallen Feathers é um dos jogos mais visualmente expressivos já feitos por um estúdio estreante. Há uma combinação rara de beleza e podridão. Um palácio riquíssimo pode ter o chão coberto de sangue e restos humanos, e cada canto parece carregado de simbolismo. Em outro trecho, um grupo de rebeldes tenta se aquecer ao redor de uma fogueira enquanto, a poucos metros, um dispositivo profano libera ondas de mortos-vivos. O contraste entre luxo e ruína, luz e desespero, é marcante. É um mundo cruel, mas belo — e o jogo consegue transmitir essa dualidade com maestria.

Soulslike para ninguém botar defeito

O design dos mapas segue a tradição dos melhores soulslike: áreas interconectadas, atalhos inteligentes e um ritmo que recompensa a exploração cuidadosa. No início, as regiões podem parecer labirínticas, com caminhos parecidos e várias bifurcações. Mas logo o jogador percebe que cada rota acaba levando de volta a um ponto conhecido.

Mesmo sem um mapa, a progressão é intuitiva. É fácil memorizar os trajetos porque o cenário se encarrega de ensinar. Cada construção, árvore ou ruína serve como referência natural. O estúdio transformou a ausência de um mapa em parte da experiência — explorar e decorar os caminhos faz parte do aprendizado.

A variedade dos ambientes também surpreende. Nas primeiras horas, o jogo é sombrio e opressivo, mas com o tempo surgem paisagens nevadas, templos iluminados por tochas e vilas abandonadas que parecem respirar decadência. O detalhe visual é impressionante. A neve, por exemplo, se deforma sob os passos da protagonista e até reage ao toque da ponta da arma, caso ela seja longa.

Quando um portão se abre, o movimento empurra a neve acumulada, deixando marcas no chão. E não é só estética: o frio afeta o combate. Ficar muito tempo na neve sem usar um item específico, como a sopa picante, causa um estado de “congelamento” que reduz temporariamente a resistência. Mas o calor do sol reverte o efeito aos poucos. Esse tipo de cuidado mostra que a Leenzee entendeu como construir imersão através de pequenos detalhes.

Combates desequilibrados

No combate, Wuchang tenta equilibrar peso e velocidade. No começo, a jogabilidade parece dura, mas à medida que novas armas e habilidades surgem, o ritmo se torna fluido e empolgante. A sensação de progressão é genuína: quanto mais se domina o sistema, mais dinâmicas e agressivas as lutas ficam. A protagonista pode carregar duas armas ao mesmo tempo, e cada tipo tem seus próprios combos, ataques carregados e habilidades únicas.

Uma espada de uma mão, por exemplo, tem um estilo rápido e direto; uma lança oferece mais alcance e controle; machados e lâminas duplas mudam completamente o tempo das lutas. Além disso, cada arma vem com uma técnica própria, que não pode ser trocada, mas o jogador pode equipar habilidades secundárias e feitiços para complementar o estilo de combate. O resultado é um sistema que incentiva a experimentação.

O jogo ainda conta com uma árvore de habilidades bem diferente do padrão. Em vez de gastar pontos individuais para subir atributos, o jogador adquire um recurso chamado Red Mercury Essence, que serve para desbloquear nós em uma grande rede de habilidades — algo próximo de Path of Exile ou Diablo IV.

Wuchang: Fallen Feathers
Wuchang: Fallen Feathers

Cada ramo da árvore está ligado a um tipo de arma ou estilo de jogo, e é possível redefinir tudo a qualquer momento, sem custo. Essa liberdade de “resetar” o personagem quantas vezes quiser é uma das melhores decisões do estúdio. Ela encoraja a testar novos estilos sem medo de errar.

Loucura

Outro elemento interessante é o sistema de insanidade. O jogo trabalha com uma barra que aumenta conforme certas ações ou ataques especiais são usados. Quanto maior a insanidade, mais forte se torna Wuchang — mas também mais frágil. Esse equilíbrio entre poder e risco dá uma camada estratégica às batalhas, especialmente contra chefes. E são justamente os chefes que entregam os melhores momentos de Fallen Feathers.

Eles exigem reflexo, leitura de padrões e calma sob pressão. Não há lutas injustas, mas cada uma testa o domínio que o jogador tem sobre o sistema. Os confrontos são duros e visualmente marcantes, com trilhas sonoras que reforçam o clima trágico e intenso.

O problema é que o mesmo não se aplica às lutas comuns. Fora dos grandes encontros, os inimigos normais são repetitivos e fáceis demais. A variedade de ataques e padrões é limitada, o que torna as seções entre chefes monótonas. Esse é um ponto criticado por todos. Os combates do dia a dia acabam se tornando mera formalidade, uma ponte entre as partes realmente boas. A curva de dificuldade é irregular, alternando entre momentos tranquilos e picos abruptos que quebram o ritmo.

Wuchang ainda sofre

A versão de PC apresenta quedas de desempenho frequentes, travamentos e consumo exagerado de memória. Mesmo em máquinas potentes, o jogo mostra instabilidade, o que pode resultar em crashes ou stutters que quebram a imersão. O estúdio prometeu atualizações para corrigir isso, mas, no lançamento, o desempenho deixou a desejar. É uma pena, porque a beleza visual e a ambientação mereciam um motor mais polido.

Wuchang: Fallen Feathers
Wuchang: Fallen Feathers

Outro problema apontado é a inconsistência estética. O jogo às vezes parece indeciso entre ser uma fantasia séria e uma aventura de ação mais estilizada. Em alguns trechos, há armaduras e trajes que destoam completamente do tom sombrio da narrativa, quase como fanservice deslocado. Essa falta de coerência visual enfraquece a imersão. A Eurogamer e a PC Gamer chamaram atenção para isso, destacando que o jogo não parece saber exatamente que identidade quer ter: às vezes, é um épico trágico; em outras, é quase uma caricatura de seus próprios temas.

Ainda assim, é inegável que a Leenzee demonstra talento. O estúdio entrega uma estreia impressionante do ponto de vista artístico e estrutural. O design das fases é competente, o combate tem boa base e há momentos de verdadeira inspiração. Mas tudo isso é cercado por decisões que impedem o jogo de se destacar. A ausência de voz da protagonista reduz o peso emocional. A história carece de foco. E os problemas técnicos atrapalham a experiência de um título que poderia ser muito mais marcante.

Veredito sobre Wuchang: Fallen Feathers

No fim, Wuchang: Fallen Feathers é um caso clássico de ambição maior que a execução. Há ideias excelentes e uma base sólida, mas o conjunto não se sustenta de maneira consistente. Ele é ao mesmo tempo fascinante e frustrante — bonito de se ver, mas irregular de se jogar. Quando tudo funciona, o jogo é intenso, sombrio e recompensador. Mas quando os problemas técnicos aparecem, ou quando o ritmo cai, é difícil manter o entusiasmo.

Para quem é fã de soulslike, há motivos para dar uma chance. A ambientação oriental e o foco em mecânicas de insanidade trazem uma leve novidade ao gênero. Os chefes oferecem combates desafiadores e o sistema de build é flexível e recompensador. Mas é preciso tolerância com falhas técnicas e paciência com um ritmo irregular. Wuchang não chega perto do refinamento de um Lies of P ou de um Elden Ring, mas tem brilho o suficiente para merecer atenção — especialmente se o estúdio seguir trabalhando em atualizações e aprender com os erros.

No fim das contas, o que Wuchang: Fallen Feathers prova é que há espaço para novos nomes dentro do gênero. A Leenzee mostrou talento, ousadia e senso artístico. Faltou polimento,

coesão e firmeza, mas o primeiro passo está dado. O jogo talvez não voe alto, mas tem asas fortes o bastante para que o estúdio aprenda a usá-las. E, quem sabe, no próximo projeto, essa ave finalmente alcance o céu que tentou tocar.

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