Alice em Genshin Impact e o Desejo

Um das mais poderosas Hexenzirkel, escritora de livros e mãe da Klee, Alice em Genshin Impact vem sofrendo hate por ser casada? Vamos explicar

Não faz muito tempo, a Hoyoverse finalmente revelou alguns dos personagens mais aguardados do game bem como muitos que estrearão junto com a próxima região, Nod-Krai, em Snezhnaya. Entre eles, o tão falado Varka, mestre dos Cavaleiros de Favonius, as Fatui Sandrone e Columbina, alguns novatos com uma história relacionada as luas de Teyvat e, talvez uma das mais esperadas: Alice. A mãe da Klee.

Sim, aquele que conversamos através do Dodocomunicador e que fez uma ilha inteira de uma praia, só para divertir a filha, tem sido alvo de um hate incomum e que parece ser bastante absurdo. O pessoal está criticando ela por ser casada e heterossexual. Ou pelo menos, supõe-se que sim, afinal, eu não vi nenhum destes ataques mais vi gente falando sobre ele.

Sendo real ou não, o tópico tem rendido alguns comentários nas redes sociais e acho que seria legal falar sobre o assunto e explicar um pouco do por quê esse hate pode estar acontecendo. Vou dar a minha opinião e, se você tiver dúvidas, é só deixar nos comentários.

Quem é Alice?

Desde os primórdios do game ouvimos falar sobre ela. Ela é a autora do Guia Turístico de Teyvat., um livro que podemos (e se você joga a muito tempo, com certeza, tem) ter todas as edições em nosso inventário. Ela é uma das Hexenzirkel, um grupo de poderosas bruxas que incluem membros como a criadora de Albedo, Rhinedottir, e a professora de Mona, a astróloga Barbeloth, são parte.

Alice em Genshin Impact
Fanart de Alice (Créditos na Imagem)

Na versão 1.6, ela criou toda a ilha do Arqueogeólogo da Maçã, que exploramos no evento “Verão! Ilha? Grandes Aventuras!” só para qe Klee pudesse se divertir com os amigos e Albedo, ensinou Klee a fazer a bombas e o mais importante de tudo: ela criou o Dodoco, o bichinho de pelúcia que Klee leva na bolsa para fazer companhia para a filha.

Então, desde o começo somos apresentados a uma mulher que, além de afetuosa e carinhosa com a filha com a voz doce e sedutora no estilo “ara ara”, parecida com a da Lisa, ela é extremamente poderosa. Desde o primeiro momento que conhecemos ela, os jogadores querem que ela seja uma personagem jogável e, como não existe personagem feio em Genshin, Alice já era desde muito cedo retratada em fanarts como uma mulher adulta, com longos cabelos loiro e principalmente, peitões.

Tudo para agradar os jogadores de Genshin, tanto os ocidentais e os orientais.

E quando ela foi revelada finalmente no trailer “Canção da Lua Nova”, o visual dela foi confirmado quase exatamente como ela era retratada nos fanarts e sim, ela é muito bonita, peitões e com o visual de bruxa que todo mundo estava esperando. Então, qual o motivo do hate?

Oi, casada

Novamente, não vi nenhum desses vídeos falando tacando hate em Alice, apenas os vídeos que falavam sobre os vídeos e explicando o motivo do hate e explicando o motivo desse hate era infundado. E os dois principais motivos que eu vi são: ela é casada e ela é hétero.

Ela é casada?

O fato de Klee ter nascido indica que Alice em Genshin Impact é, ou, pelo menos, foi, em algum momento, casada. Sim, é muito improvável que uma mídia vinda de um país como a China, absurdamente conservador nos costumes e que hoje em dia faz campanhas para incentivar o nascimento de crianças faça uma personagem tão popular e aguardada como ela uma mãe solteira. Já é bastante incomum pensar que ela é uma mãe que trabalha, viaja e está longe da filha e não uma que está em casa cuidando da família.

Mas, por eliminação, vamos então definir que ela é sim casada. O pai de Klee quase não é mencionado, sendo apenas dito que é um aventureiro famoso e alguém que Klee gosta muito, mas nunca houve nenhuma informação profunda sobre ele. Sabemos apenas que ele e Alice decidiram morar em Mondstadt por um tempo para criar Klee, mas depois, ela voltou para suas viagens e deixou Klee aos cuidados de Jean e Albedo.

Contudo, não sabemos nada sobre ele. Não sabemos se ele também é um “elfo” (Klee e Alice tem orelhas de elfo, mas nunca foi confirmado que elas são elfas) ou um humano, não sabemos se ele ainda está vivo (afinal Alice tem mais de 500 anos só como aventureira e conheceu Yae Miko quando ela era só uma raposinha), não sabemos onde ele está e nem nada. Se ela AINDA está casada, não sabemos, mas, independente disso, sabemos, com certeza, que ela foi casada em algum momento da vida dela.

O que nos leva ao nosso outro ponto.

Ela é hétero?

Embora a sexualidade de absolutamente nenhum personagem de Genshin Impact seja discutida em nenhum momento do game, sabemos que os fãs adoram fazer “shipps”, ou seja, formar casais entre dois personagens. E, muito deles são, principalmente, shipps homoafetivos.

Alguns por nível de afinidade em game, como Lisa e Jean, que tem falas bastante sugestivas uma sobre a outra em seus perfis, ou Xinqiu e Chongyun, também por serem muito próximos. Outros shipps existem mas seriam bastante improváveis de acontecer por diversas razões, como por exemplo, as tirinhas envolvendo Yelan e Shenhe em uma dinâmica de casal exagerada desenhadas pela artista Xinzoruo, e são “shipadas” mesmo que elas nunca tenham se conhecido oficialmente no game.

Yelan e Shenhe
Yelan e Shenhe (créditos: Xinzoruo)

Alguns shipps, principalmente os heterossexuais, muitas vezes são menos populares entre os jogadores que gostam de “shipar”, talvez por serem muito “comuns e básicos (vanilla)”, como Diluc e Jean, que apenas “parece certo” já que ambos são importantes na história e apareceram juntos, então, fica aquela coisa de “he is a boy, she is a girl”, mas que não há nenhuma pista in game que pudesse indicar um romance entre eles. Outro também famoso é Xiao e Lumine, mas, se eles são casal, automaticamente Xiao e Aether também são, afinal, Xiao trata os gêmeos de forma igual. O mesmo para Tartaglia e Lumine que automaticamente também vira Tartaglia e Aether.

Posso estar enviesado, mas parece que os shipps homoafetivos são mais populares do que os shipps heterossexuais e, por isso, quando Alice surgiu como uma mulher casada, os “shippadores” podem ter pensado: “como assim não vou poder shippar ela com a (inclua aqui a personagem feminina da sua preferência)?”

Alguns já teorizam que ela é bissexual, por sua extrema liberdade e personalidade forte, que não se restringiria por gênero ou rótulos da sociedade e ficaria com quem quisesse e ainda desafiaria qualquer um a falar algo contra, mas outros, mais radicais, já estão tacando um hate contra ela por ela ser (ou ter sido) casada com um homem e não admitem isso.

E no final das contas, qual o motivo do hate mesmo?

O Desejo

O desejo é a principal causa dessa reação contra ela e o motivo principal do hate contra Alice é principalmente o fato de ela “não estar disponível”. “Ela pertence a outro e, portanto, não pode ser minha”.

Embora a gente saiba que não é possível ser “dono de alguém” (e Alice sendo como é claramente não permitira que ninguém a “possuísse” como um objeto), principalmente de um boneco 3D em um game, sabemos que tem muita gente que se apega a personagens de uma forma tão forte que acaba criando esse sentimento de “eu quero ter para mim”. Alguns levam isso a um extremo que se casam com eles, mas no geral, o sentimento de posse fica apenas na questão de poder decidir, mesmo que em seu próprio mundinho particular, o destino deles de alguma forma.

Alice em Genshin Impact
A teoria de que Alice trai o marido com outras garotas

Alice ser casada, significa que eu não posso decidir com quem ela vai ficar, seja um personagem masculino ou feminino, mesmo que ficcionalmente, ou dizer “ela é minha waifu”, afinal, ela é a “waifu” do pai da Klee e isso está decidido pela lore oficial do jogo. Para alguns, isso já é motivo para não querer nem rodar no banner de personagem.

E por que isso acontece? Dois motivos simples: Primeiro, o ser humano tem a tendência de desejar o que não é permitido e, em segundo, Alice e todos os outros personagens de Genshin Impact (e muitos de Gachas em geral) são criados para serem desejáveis.

Você foi manipulado

Desde o começo, Genshin Impact apresenta seus personagens com uma aura de mistério, carisma e apelo visual pensado para agradar diferentes perfis de jogadores. São bonitos, bem animados, carismáticos, com dublagens cuidadas e trajes que muitas vezes beiram o exagero proposital. Isso tudo ajuda a construir a relação emocional que os jogadores desenvolvem com eles. Alice, nesse contexto, entra com uma vantagem: ela foi criada ao redor de um mistério e de uma expectativa enorme que durou mais de três anos.

Mesmo sem ter aparecido oficialmente, Alice já era tema constante em teorias, fanarts e vídeos. E quando ela finalmente apareceu, tudo o que os fãs projetaram nela — a beleza, a força, o carisma, o estilo de bruxa poderosa, a sensualidade — foi em grande parte confirmado. Ela apareceu como uma mulher madura, linda, inteligente, poderosa e com aquele tempero “onee-san” que tanto agrada parte do público otaku. Mas com isso, veio também o problema: essa idealização esbarrou na realidade da lore. Ela não é só uma mulher forte e livre. Ela é uma mãe. E mais: uma mãe com uma relação heterossexual implícita no passado. E, para alguns, isso é o suficiente para “quebrar a magia”.

É absurdo? Com certeza. Mas não é surpreendente. O mesmo já aconteceu com outros personagens em diversas mídias. Personagens femininas idealizadas como “perfeitas” são constantemente alvo de críticas quando mostram traços humanos ou se envolvem com outros personagens — especialmente homens. A “pureza” da personagem, aos olhos de parte da comunidade, é violada.

Isso acontece porque, para muitos jogadores, especialmente os que transformam os personagens em figuras de apego romântico ou sexual, a existência de um relacionamento no passado (ainda que fictício e fora das telas) representa uma barreira. Alice passa de “minha waifu perfeita” para “alguém que já pertenceu a outro”. E mesmo que isso não mude absolutamente nada em termos de gameplay ou história, isso já é suficiente para causar incômodo.

A pureza das idols

Além disso, existe uma questão geracional e cultural envolvida nisso tudo. Assim como as cantoras idols de bandas de K-Pop, ou J-Pop ou qualquer outra, a pureza delas é muito importante para o público que consome. Mesmo que o fã nunca vá nem chegar perto do ídolo, a ilusão de que ele se manterá puro e intocado só para você deve ser mantida.

alice em genshin impact
Albert chega a perseguir Bárbara

E a cultura dos gachas, especialmente a japonesa, mas também a chinesa, é repleta de personagens femininas moldadas para agradar um público que deseja idealizar e “possuir” — mesmo que só dentro do jogo — essas figuras, como as idols. A expressão “waifu” não é à toa: vem de “wife”, que significa “esposa”, e ela carrega esse peso de projeção emocional, desejo e até obsessão por personagens fictícios. Em muitos gachas, personagens femininas são propositalmente deixadas sem par romântico para evitar “estragar” essa relação imaginária com o jogador.

Quando um jogo revela que aquela personagem que você esperava que fosse a “mulher ideal” na verdade tem um passado, família, um parceiro — mesmo que ausente —, isso quebra a ilusão. E, quando essa ilusão é quebrada, a resposta de algumas pessoas não é aceitar e seguir em frente. É atacar. Porque o personagem já não é mais “para mim”. Ele foi “manchado”. Ele “pertence a outro”.

Esse tipo de reação é mais comum do que parece. Já vimos isso acontecer com personagens femininas em outras franquias, de animes até jogos como Fire Emblem, onde fãs reclamam quando determinada personagem tem um interesse amoroso confirmado entre Camilla e o jogador como canônico, mesmo que isso não afete em nada sua utilidade no jogo. A crítica nunca é sobre gameplay. É sobre frustração pessoal. E nesse caso, Alice é vítima disso.

Não é uma “tradiwife”

Também há um elemento de resistência a personagens femininas maduras. Alice é claramente mais velha do que a média das personagens femininas de Genshin. Mesmo que o jogo nunca defina exatamente a idade de ninguém, está implícito que ela vive há séculos. Ela é sábia, segura, autônoma. E diferente das meninas mais jovens e fofinhas que costumam ser populares no game (como a própria Klee, Diona ou até a Nahida), Alice tem um apelo mais adulto. Isso pode afastar um público que procura figuras femininas mais submissas ou mais “puros”, entre aspas.

Nesse ponto, talvez a crítica mais velada não seja nem tanto o fato de ela ser casada ou heterossexual, mas de ela ser autônoma demais. Forte demais. Sábia demais. E isso incomoda. Alice não precisa de ninguém. Ela decide onde quer ir, o que quer fazer, cria ilhas mágicas em poucos dias e ensina explosivos para a filha. Isso não se encaixa com o ideal de “waifu perfeita” que muitos esperam. E quando ela também tem um histórico amoroso (heterossexual, ainda por cima), a frustração cresce.

No fim das contas, é uma mistura de tudo isso que está gerando o hate: uma personagem que foi idealizada por anos como um símbolo de poder e beleza, que finalmente se revela como uma mulher completa, com passado, filha, relacionamentos e uma personalidade que não se curva à vontade do jogador. E isso, para uma parte da comunidade, é demais.

Nessa mesma situação, podemos mencionar o hate que Tracer, de Overwatch, recebeu quando foi revelada como gay e namorando uma garota chamada Emily, muita gente começou a exigir que ela fosse removida das artes oficiais e deixar de ser a “garota propaganda” do game. Também dá pra ver a enorme quantidade de fanarts que a colocam do lado de personagens masculinos, ignorando a lore oficial dela.

Outra “vítima” é Robin de Stardew Valley, com uma tonelada de mods que desmancham o seu casamento e permitem que o jogador possa casar com ela, mesmo que isso não lhe dê nenhuma vantagem real no jogo como dá se casar com algum dos personagens que foram programados oficialmente para serem relacionáveis. O simples fato de não ser possível casar com ela, de ela “pertencer a outro” já fez com que alguém se desse ao trabalho de descobrir com ao engine do jogo funcionava para modificar esse parâmetro.

Como sobreviver a isso?

De toda forma, o hate contra Alice é um reflexo direto do tipo de relação que parte da comunidade cria com os personagens. E a solução para isso é simples: lembrar que Genshin Impact é um jogo. Alice é uma personagem rica, cheia de mistério e com muito potencial narrativo. E, goste você dela casada, solteira, hétero ou bi, o que importa é que ela é uma das bruxas mais poderosas de Teyvat e, muito provavelmente, vai continuar sendo uma das mais importantes da lore por muito tempo.

alice
Alice é linda, mas não é pro seu bico

Alice representa um tipo de personagem que foge do molde típico de Genshin Impact. E isso é ótimo. Mostra que o jogo está disposto a trazer figuras femininas mais diversas, com outras camadas além do “ser fofa e explosiva”. Alice tem um passado, uma filha, e é, com certeza, uma das figuras mais poderosas do universo de Teyvat.

No fim das contas, isso não é só sobre Alice. É sobre como parte dos jogadores reage quando o desejo encontra a realidade — mesmo que seja uma realidade feita de fantasia.

Sobre Genshin Impact

Genshin Impact é um jogo gacha (similar ao loot box) de mundo aberto gratuito, mas com microtransações dentro do jogo, publicado e distribuído pela miHoYo em seu site oficial.

Nele você entra na pele do Viajante, um explorador capaz de viajar por mundos, mas que ficou preso em Teyvat, um lugar reinado pelos Arcontes e que enfrenta uma guerra contra inimigos desconhecidos, e deve descobrir uma forma de voltar para seu mundo natal e encontrar o seu irmão gêmeo desaparecido. Genshin Impact está disponível para PC com WindowsAndroidiOSPlayStation 4 e PlayStation 5 com crossplay entre as plataformas mobile, console e PC.

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